segunda-feira, 31 de agosto de 2015



Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece a razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.


Namore alguém que olhe pra você da maneira como você quer ser olhado: com o desejo que um chocólatra compulsivo olha para uma barra de Sufflair, com o respeito que Daniel San olha para o Mestre Miyagi, com o amor que Sally olha para Jack Skellington. Namore alguém que seja da maneira como você quiser: gordo, magro, preto, branco. Preto com branco. Loiro, moreno, careca, cabeludo, rei, ladrão, polícia, capitão. Alguém que goste de fazer qualquer coisa que seja, desde que essa coisa não te incomode: piquenique no parque, maratona de filmes embaixo do cobertor, campeonato de arroto, roda de leitura, cantoria em karaokê. Alguém que tenha o sonho e a ambição que fizerem sentido para você – pouco importando se for algo grandioso, como fazer trabalho humanitário na África, algo mediano, como viajar pela América do Sul num trailer, ou algo banal, como completar o álbum de figurinhas do Campeonato Brasileiro.


Namore alguém que tenha como maior virtude aquilo que você achar importante: a sinceridade, a persistência, a delicadeza, a sabedoria, o bom humor, a seriedade. A beleza – seja ela exclusivamente interna ou essencialmente externa. Alguém que tenha defeitos, mas somente aqueles que não forem contra os seus valores. Alguém que faça com você somente o que for de comum acordo – seja transar loucamente em um quarto de motel diferente a cada semana, seja guardar o sexo para depois do casamento. Alguém que seja expert naquilo que você achar importante: na arte de fazer feliz ou na arte de multiplicar dinheiro. Alguém que te trate em público da maneira como você se sentir mais confortável, seja demonstrando desejo em forma de beijos e carícias, seja demonstrando respeito aos limites que você impõe.

Namore alguém que privilegie o que você acha essencial: o dinheiro ou a simplicidade, o riso sincero ou o choro sincero, o saber falar ou o saber calar.

E quer saber? Se você não quiser, nem precisa namorar. Vai estudar. Vai ver um filme. Vai transar. Vai fazer um bolo. Não precisa namorar, moça. Por mais que a sua timeline viva inundada de fotos de casais de mãos dadas e de chatíssimas declarações daquele amor eterno que dura, quando muito, três meses e uma viagem a Las Vegas. Por mais que a sua família viva perguntando pra você como estão os namoradinhos – ótimos, aguei e coloquei todos eles pra tomar sol essa manhã. Por mais que a internet e as revistas femininas bombardeiem você com listas levianas e generalistas de “10 motivos pelos quais você deveria arranjar um homem pra chamar de seu JÁ”.

E sabe, moça, se você não quiser, também não precisa casar. Por mais que você namore há dez anos. Por mais que o sonho da sua avó seja vê-la de véu e grinalda, gastando uma grana violenta e contraindo dívidas só pros outros se divertirem às custas da sua união com outro alguém. Por mais que Bolsonaro, Feliciano, Malafaias e toda essa corja fiscalizadora da felicidade e do prazer alheios digam que família = (homem + mulher) x unidos pelo matrimônio + filhos.

Aliás, moça, me deixa falar outra coisa? Se você não quiser, não precisa ter filhos. Por mais que o sonho da sua mãe seja ser avó e você seja filha única –que pena, mamis, fica pra próxima (vida). Por mais que todo mundo diga que filhos são úteis pra limpar a nossa bunda quando a gente envelhecer. Por mais que a tia da escola tenha ensinado que o ciclo natural da vida passa necessariamente por reproduzir.

A não ser se alimentar, respirar, dormir e respeitar a si mesmo e o próximo, se você não quiser, não precisa fazer nada dessas coisas que todo mundo vive dizendo que você tem que fazer antes de morrer. Não precisa namorar. Não precisa casar. Não precisa ter filhos. Nem um cachorro. Nem pular de paraquedas. Nem tomar um porre uma vez na vida. Nem comprar a peça de roupa ~must-have~ da estação. Nem fazer uma tatuagem. Nem ler James Joyce. Nem assistir a Sense 8. Porque você é livre. E falta de liberdade não é somente não poder fazer algo que você quer fazer. É também ter que fazer algo que você não tem a mínima vontade só pra agradar um bando de gente enxerida que não tem absolutamente nada a ver com a sua vida.
Ninguém é feito para ninguém. O mundo não é uma enorme caixa com milhões de pares de sapatos com somente dois de cada número, nos levando a uma busca incessante e insana por encontrar o par certo. O mundo está mais para uma enorme caixa com milhões de meias – não sapatos – e mesmo que você pegue o par do número errado, é só esticar um pouquinho ou usá-la um pouco que ela se molda ao seu pé. Mas no fim das contas, você pode escolher qualquer meia, porque, com boa vontade, ela vai te servir. Apertada ou larga, mas vai servir.

Essa falácia de almas gêmeas e de “nascidos um para o outro” pode ser ótima para se escrever textos românticos ou para convencer a sua namorada de que a Marilene não significou nada, que foi só sexo, e que mesmo o sexo nem foi lá essas coisas, ela não aguentou o peso dos seus ombros para fazer o Maquinista Marroquino e achou o Escanteio no Segundo Pau algo muito arrojado. Mas na vida real, no plano adulto de tentar fazer um relacionamento dar certo sem ajuda divina ou de falas de comédias românticas, esse papo de almas gêmeas fica lá fora da porta, junto com a fada do dente e o deputado ficha limpa.


De nada adianta você achar que encontrou a sua alma gêmea e não se esforçar para fazer dar certo. É como levar jeito com animais e achar que isso faz de você imune a veneno de cobra. É preciso muita paciência, uma boa dose de boa vontade e entender que ceder faz parte, que ceder não é perder, que ceder é ganhar, é poupar o casal de uma talvez infrutífera discussão ou uma inevitável briga. Ninguém precisa namorar um clone seu, alguém que concorde com tudo o que você faz o tempo todo. Pelo contrário. É perfeitamente possível se relacionar com alguém que discorde de você o tempo todo, que odeie tudo o que você gosta, que goste de tudo o que você mais abomina. É só ter respeito e não tentar impor sua opinião ou pensar que a outra pessoa está errada – só por não concordar com você.

Aliás, tentar entender que estar certo é menos importante do que evitar uma briga que vem dobrando a esquina, se esgueirando por trás do “você sabe que to estou certo”. Nenhuma alma gêmea sobrevive a um relacionamento onde alguém quer estar certo o tempo todo. E falo isso por experiência própria, porque eu só não sou o tipo de pessoa que “acha” que está sempre certo, porque eu sou o tipo de pessoa que sabe que está sempre certo. Mas em um relacionamento, eu tento deixar essa minha sapiência sobre-humana de lado, em prol de uma convivência saudável e pacífica. É fácil? Não, na maioria das vezes eu não consigo. Mas é mais fácil se esforçar, tentar, do que se esconder atrás da baboseira de achar que vocês são almas gêmeas e que por isso vocês vão ficar juntos para sempre, não importa o que aconteça. Duas pessoas que querem, que tem vontade e se esforçam, vão ficar juntos de qualquer maneira, por mais diferentes que elas sejam. Esforço principalmente para realizar o Maquinista Marroquino sem um banquinho para apoiar as costas. Esforço é a chave para tudo.
"Saber ir embora é mais do que um estado de plena autossuficiência: é sobre aprender a ver a vida com mais serenidade. E compreender que, naturalmente, relacionamentos se desfazem, amizades terminam e recomeçam, ou não, empregos são sempre substituíveis e a vida sempre, sem dúvida e irremediavelmente, continua."

sábado, 29 de agosto de 2015

Uma cadeira de rodas, nada há mais!



Ser cadeirante é ter o poder de emudecer as pessoas quando você passa…


Ser cadeirante é não conseguir passar despercebido, mesmo quando você quer sumir! E ser completamente ignorado quando existe um andante ao seu lado. E isso não faz sentido, as pernas e os braços podem não estar funcionando bem, mas o resto está! Ser cadeirante é amar elevadores e rampas e detestar escadas… Tapetes? Só se forem voadores, por favor! Ser cadeirante é andar de ônibus e se sentir como um “Power Ranger” a diferença é que você chega ao ponto e diz: “é hora de MOFAR”.


Ser cadeirante é ter alguém falando com você como se você fosse criança, mesmo que você já tenha mais de duas décadas. Ser cadeirante é despertar uma cordialidade súbita e estabanada em algumas pessoas. É engraçado, mas a gente não ri, porque é bom saber que ao menos existem pessoas tentando nos tratar como iguais e uma hora eles aprendem! Ser cadeirante é conquistar o grande amor da sua vida e deixar as pessoas impressionadas… E depois ficar impressionado por não entender o porquê do espanto. Ser cadeirante é ter uma veia cômica exacerbada. É fato, só com muito bom humor pra tocar a vida, as rodas e o povo sem noção que aparece no caminho. Ser cadeirante e ficar grávida é ter a certeza de ouvir: “Como isso aconteceu?” Foi a cegonha, eu não tenho dúvidas! Os pés de repolho não são acessíveis! Ser cadeirante é ter repelente a falsidade. Amigos falsos e cadeiras são como objetos de mesma polaridade se repelem automaticamente. Ser cadeirante é ser empurrado por ai mesmo quando você queria ficar parado. É saber como se sentem os carrinhos de supermercado! Ser cadeirante é encarar o absurdo de gente sem noção que acha que porque já estamos sentados podemos esperar, mesmo! Ser cadeirante é uma vez na vida desejar furar os quatro pneus e o step de quem desrespeita as vagas preferenciais. Ser cadeirante é se sentir uma ilha na sessão de cinema… Porque os espaços reservados geralmente são um tablado ou na turma do gargarejo e com uma distancia mais que segura pra que você não entre em contato com os outros andantes, mesmo que um deles seja seu cônjuge! Ser cadeirante é a certeza de conhecer todos os cantinhos. Porque Deus do céu, todo mundo quer arrumar um cantinho para nós?


Ser cadeirante é ter que comprar roupas no “olhômetro” porque na maioria das lojas as cadeiras não entram nos provadores Ser cadeirante é viver e conviver com o fantasma das infecções urinárias. E desconfio seriamente que a falta de banheiros adaptados contribua para isso. Ser cadeirante é se sentir o próprio guarda volumes ambulante em passeios pelo shopping Ser cadeirante é curtir handbike, surf, basquete e outras coisas que deixam os andantes sedentários morrendo de inveja. Ser cadeirante é dançar maravilhosamente, com entusiasmo e colocar alguns “pés-de- valsa” no bolso…Ser cadeirante é ter um colinho sempre a postos para a pessoa amada… E isso é uma grannndeeee vantagem! Ser cadeirante (e mulher) é encarar o desafio de adaptar a moda pra conseguir ficar confortável além de mais bonita.


Ser cadeirante é se virar nos trinta pra não sobrar mês no fim do dinheiro, porque a conta básica de tudo que um cadeirante precisa… Ai… Ai… Ai… Essa merece ser chamada de Dolorosa. Ser cadeirante é deixar um montão de médicos com cara de: “e agora o que eu faço” quando você entra pela porta do consultório… Algumas vezes é impossível entrar, a cadeira trava na porta…


Ser cadeirante é olhar um corrimão ou um canteiro no meio de uma rampa, ou se deparar com rampas que acabam em um degrau de escada e se perguntar: Onde estudou a criatura que projetou isso? Será mesmo que estudou?


Ser cadeirante é ter vontade de grudar alguns políticos em uma cadeira por um dia e fazer com que eles possam testar os lugares que enchem a boca pra chamar de acessíveis…Ser cadeirante é ir à praia mesmo sabendo que cadeiras + areia + maresia não são uma boa combinação! Ser cadeirante é sentir ao menos uma vez na vida vontade de sentar no chão e jogar a cadeira na cabeça de outro ser humano.